Trânsito, vidas esquecidas. Trabalhava num lugar frequentado por argelinos e indianos. O alojamento ficava perto da fábrica. O sol batia a jorros. A cidade, confusão, ruído, fumos, néon, jardins, amenidade sossegada. Travou amizade com Dubsveck, um eslavo de infância amargurada. Regressou depois, fazendo paragem em Marselha, com o Vieux Port, a Marina, a ampla Cannebière, a lua lindíssima sobre água. Tabiques, esbatidos reflexos, o melhor tempo. Serenidade, ondulações, suave orla. - Vertentes do pastoreio: Nas margens do Sabor a rosa ousa do incessante vaivém o rubor. - Rememorando o Menino das todas as linguagens e ubiquidades, que, de brincalhão travesso, se fez um homenzinho bem comportado, eternamente novo, sempre Inominável, igual ao Pai, e peregrino da terna eternidade, que entregou, à vida em flor dos todos os renascimentos da contemplação mais pura, despojada, a melhor parte do que aqui nos coube em parte, enquanto gastos arrojamos a comum miséria calada e quotidiana: Se aniquilou ao mínimo, picollo, ponto: Senhor dO Viçoso Coração dA Sua Mãe, onde, Escondido, nos guardou os vivos motivos da saudade: O alvor do sol, a água, o pão, a paz, o bom ar, a amizade, o amor, a família, o vinho, o lar, os estimulantes caminhos. - Carlo e Dora: Embrenhado em fumos o café. Carlo rascunhava uns desenhos. Afinal gostavam ambos de cinema, flores, iogurtes… Estavam a despedir-se. Ela levava para o quarto aquela tela azul. - A casa vazia, o quarto nu, o tijolo argamassado, a janela afundando-se num céu desconhecido, que desde um claro vão se divisava. - O dinheiro contado. A mala pesada. A muda de quarto. Paredes que se apertam. Um cão lá por fora. Abjecção, náusea. Hora de alçar. Zunido insistente p’lo escuro dentro. Quilómetros até romper manhã. ‘Eu Sou A Imaculada Conceição!’ Figura iluminada num portal. - Pode sair! Cisnes desmaiando estagnadas eternidades; laranjadas num sórdido quartel por Campolide; monstros nas funduras marítimas da Tv. - Celeste tomara conta da sua vida como se duma verdade total se tratasse. Restavam-lhe os sonhos: Em margens livres, esvoaçavam aves feridas; deslizavam férreos comboios; irrompiam das altas penedias cascatas a precipitar-se; labirintos, cidades nunca vistas, destroçadas, onde se perdia e encontrava, cataclismos, desabamentos, conflagrações, reuniões, políticas quezílias, susceptibilidades, discussões familiares temperando doridos tédios, escritos evocados, mentalmente torturados, surtos ecos repentinos, precisões subtis, ardilosas provações, piscinas, plenitude. - O entardecer p’las árvores, suavidade, chinfrim, pardais, interminável, angelical melodia. Arrancado a um texto de Pratolini, um sórdido bar, onde uma mulher ainda jovem ingeria limonada. - A pastorinha veio a flores, encontrou elefantes, malmequeres, papoilas, borboletas. Pastorinha da cara preta! - Scherzo: Dêem-me a água e o negro café após sono, dêem-me música, que m’intervale goles bebidos, e baforadas, que entrementes se me engolfam pulmões dentro. Café, água, música, cigarros e, claro está, a minha mesa do canto. Por favor, com este calor, não se esqueçam de ligar a ventoinha. Aqui respiro o meu ar, com o ar do meu cigarro, raízes minhas, que também vivo no pó. Oh, o egoísmo de ser-se como vento ou chuva, e fruir-se pura e simplesmente. Não me puxem pra trás a cadeira enquanto me sento. Convenhamos em que tais brincadeiras, dum péssimo mau gosto, só cabem em certas fitas. O resto está certo como a morte, ou a como força da vida, como a liberdade, o amor, ou a graça. As contas ficam em dia ao desembolsar as exactas moedinhas com o óbvio obrigado p’lo serviço. - A última bandeira, embebida em sangue mártir, nas mãos sobreviventes das crianças, esvoaçando ao vento a bramir após trovoada, iluminada como Maria, lá p’los Cimos. -
Pombos e pombas, que, por todo o mundo, ronronais, ante meus pés quase descalços, a quietude, a mansidão, por tudo haverdes por nada. Vós, sem voz, eloquentemente dizeis que não oscile milímetros ao íntimo ânimo, ante a completude haurida, plena graça. Que não vagueie vãos afãs, antes sossegue num pulsar divino, sintonia com o coração do mundo. E viagem termine antes da inicial partida, viagem quieta, voo estancado pela melhor altura, qual, desde cá em baixo, absoluta reside. Poeta, deixeis os comuns mortais erguerem-se, abalarem. Não os tereis mais, como outrora, suspensos do olhar, esses que amaríeis rever, convosco, no coração da cor.
Trânsito, vidas esquecidas.
ResponderEliminarTrabalhava num lugar frequentado por argelinos e indianos.
O alojamento ficava perto da fábrica.
O sol batia a jorros.
A cidade, confusão, ruído, fumos,
néon, jardins, amenidade sossegada.
Travou amizade com Dubsveck,
um eslavo de infância amargurada.
Regressou depois, fazendo paragem em Marselha,
com o Vieux Port, a Marina, a ampla Cannebière,
a lua lindíssima sobre água.
Tabiques, esbatidos reflexos, o melhor tempo.
Serenidade, ondulações, suave orla.
-
Vertentes do pastoreio:
Nas margens do Sabor
a rosa ousa
do incessante
vaivém o rubor.
-
Rememorando
o Menino das todas as linguagens
e ubiquidades,
que, de brincalhão travesso,
se fez um homenzinho bem comportado,
eternamente novo, sempre Inominável, igual ao Pai,
e peregrino da terna eternidade,
que entregou, à vida em flor
dos todos os renascimentos da contemplação mais pura,
despojada, a melhor parte do que aqui nos coube em parte,
enquanto gastos arrojamos
a comum miséria calada e quotidiana:
Se aniquilou ao mínimo, picollo, ponto:
Senhor dO Viçoso Coração dA Sua Mãe,
onde, Escondido, nos guardou
os vivos motivos da saudade:
O alvor do sol,
a água, o pão, a paz,
o bom ar, a amizade,
o amor,
a família, o vinho, o lar,
os estimulantes caminhos.
-
Carlo e Dora:
Embrenhado em fumos o café.
Carlo rascunhava uns desenhos.
Afinal gostavam ambos de cinema, flores, iogurtes…
Estavam a despedir-se.
Ela levava para o quarto aquela tela azul.
-
A casa vazia, o quarto nu, o tijolo argamassado,
a janela afundando-se num céu desconhecido,
que desde um claro vão se divisava.
-
O dinheiro contado.
A mala pesada.
A muda de quarto.
Paredes que se apertam.
Um cão lá por fora.
Abjecção, náusea.
Hora de alçar.
Zunido insistente p’lo escuro dentro.
Quilómetros até romper manhã.
‘Eu Sou A Imaculada Conceição!’
Figura iluminada num portal.
-
Pode sair!
Cisnes desmaiando estagnadas eternidades;
laranjadas num sórdido quartel por Campolide;
monstros nas funduras marítimas da Tv.
-
Celeste tomara conta da sua vida
como se duma verdade total se tratasse.
Restavam-lhe os sonhos:
Em margens livres, esvoaçavam aves feridas;
deslizavam férreos comboios;
irrompiam das altas penedias cascatas a precipitar-se;
labirintos, cidades nunca vistas, destroçadas,
onde se perdia e encontrava,
cataclismos, desabamentos, conflagrações,
reuniões, políticas quezílias, susceptibilidades,
discussões familiares temperando doridos tédios,
escritos evocados, mentalmente torturados,
surtos ecos repentinos, precisões subtis,
ardilosas provações, piscinas, plenitude.
-
O entardecer p’las árvores,
suavidade, chinfrim, pardais,
interminável, angelical melodia.
Arrancado a um texto de Pratolini,
um sórdido bar, onde uma mulher
ainda jovem ingeria limonada.
-
A pastorinha veio a flores,
encontrou elefantes, malmequeres,
papoilas, borboletas.
Pastorinha da cara preta!
-
Scherzo:
Dêem-me a água e o negro café após sono,
dêem-me música, que m’intervale goles bebidos, e baforadas,
que entrementes se me engolfam pulmões dentro.
Café, água, música, cigarros
e, claro está, a minha mesa do canto.
Por favor, com este calor, não se esqueçam de ligar a ventoinha.
Aqui respiro o meu ar, com o ar do meu cigarro,
raízes minhas, que também vivo no pó.
Oh, o egoísmo de ser-se como vento ou chuva,
e fruir-se pura e simplesmente.
Não me puxem pra trás a cadeira enquanto me sento.
Convenhamos em que tais brincadeiras,
dum péssimo mau gosto,
só cabem em certas fitas.
O resto está certo como a morte,
ou a como força da vida,
como a liberdade, o amor, ou a graça.
As contas ficam em dia
ao desembolsar as exactas moedinhas
com o óbvio obrigado p’lo serviço.
-
A última bandeira,
embebida em sangue mártir,
nas mãos sobreviventes
das crianças,
esvoaçando ao vento
a bramir após trovoada,
iluminada como Maria,
lá p’los Cimos.
-
Pombos e pombas, que, por todo o mundo,
ResponderEliminarronronais, ante meus pés quase descalços,
a quietude, a mansidão, por tudo haverdes por nada.
Vós, sem voz, eloquentemente dizeis
que não oscile milímetros ao íntimo ânimo,
ante a completude haurida, plena graça.
Que não vagueie vãos afãs, antes sossegue
num pulsar divino, sintonia com o coração do mundo.
E viagem termine antes da inicial partida,
viagem quieta, voo estancado pela melhor altura,
qual, desde cá em baixo, absoluta reside.
Poeta, deixeis os comuns mortais erguerem-se, abalarem.
Não os tereis mais, como outrora, suspensos do olhar,
esses que amaríeis rever, convosco, no coração da cor.